17.6.12

Um pouco de Marina

Temos uma escolha a fazer, uma escolha realmente simples, entre ver e perceber. Podemos fingir que não percebemos a degradação das condições de vida que estamos deixando para nossos descendentes, podemos nos iludir com a possibilidade da tecnologia “dar um jeitinho” nos desastres ambientais cada vez maiores e mais frequentes, podemos permitir que a ganância por dinheiro e poder seja o valor e a medida dominante em nossa vida. Ou podemos encarar a realidade, assumir as nossas responsabilidades com as futuras gerações, escolher o equilíbrio e a sobriedade. Essa escolha é de cada um. Obviamente, não se pode cobrar dos bilhões de seres humanos que vivem na miséria, sofrendo com a falta de comida e abrigo, a mesma responsabilidade que têm, ou pelo menos deveriam ter, os que fizeram do excesso a medida da própria felicidade. No mês em que se realiza a Rio+20, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, divulga seu relatório GEO 5 e deixa preocupados todos os que o leem. Em primeiro lugar, com o estado do planeta Terra, sem melhora significativa em quase todos os problemas que foram debatidos na Conferência de 1992 e sobre os quais se fizeram vários acordos internacionais. Mas o que entristece é a causa da permanência e agravamento dos problemas: a inércia (para usar uma expressão conhecida, no limite da irresponsabilidade) dos governantes que comparecerão ou faltarão ao encontro no Rio. Se a coisa não andou, é porque os governos não fizeram o que deviam e não cumpriram o que acertaram, mesmo sabendo o que dá resultado. Impressiona a força do problema: as mudanças no “sistema Terra” e suas graves consequências para a saúde e a segurança de todas as comunidades humanas. Impressiona mais ainda a fraqueza da resposta: o Zero Draft, rascunho do documento que os líderes internacionais assinarão no Rio, parece ser uma fuga à realidade descrita no relatório do Pnuma. O mundo grita, os governantes fingem não escutar. Justiça seja feita, entretanto: a maioria deles está sob a intensa pressão da crise financeira, da campanha eleitoral, dos radicais antiambientalistas, do modelo econômico insustentável de seus países, da histeria consumista que disfarça o mal-estar, do crescimento que dá a ilusão de desenvolvimento. Não conseguem sair da teia de interesses, nem sempre legítimos, em que se transformou a política. Aceitam o empobrecimento da democracia. Seus programas resumem-se em administrar as circunstâncias, jamais em antecipar-se a elas. Gorbachev, que participou da Eco 92, resumiu em artigo recente a situação política: falta liderança e visão. Todos afirmam que não teremos tempo para uma Rio+40. Mais uma vez o relatório do Pnuma alerta para os limites críticos que estão sendo ultrapassados, às vezes de forma irreversível. Em algumas regiões, a oscilação rápida de temperatura, a perda acelerada de biodiversidade, a ocorrência de catástrofes e eventos extremos podem condenar grandes parcelas da humanidade ao sofrimento e provocar danos que a natureza levaria muito tempo para recuperar. O relatório acrescenta, além de crítica realista ao pouco que se fez, uma evidência sobre a falta de um organismo internacional capaz de monitorar os acordos e com poder para exigir seu cumprimento. Os países dão tanta importância ao comércio a ponto de ter uma organização mundial que o disciplina. Agora terão que dar a mesma importância ao meio ambiente, ao clima, à biodiversidade e ao desenvolvimento sustentável, que possa promover o bem-estar da atual e das futuras gerações. Haverá avanços na Rio+20? Penso que a resposta está com a sociedade civil, os povos, as comunidades, as empresas, as organizações sociais, todos os que se dispõem a transformar sua consciência em ação, assumindo responsabilidades locais e aumentando a capacidade de influenciar na governança global. Será ocasião de reunir-se, conversar, formalizar acordos e parcerias, fortalecer-se. Para os governantes do mundo aqui reunidos, será uma grande oportunidade – talvez uma das últimas – de atender às exigências de seus povos, para que definam metas e as cumpram, colocando-se diante da escolha ética que têm negligenciado. O relatório do Pnuma é, antes de tudo, uma contundente denúncia. Ao mesmo tempo em que atesta mais uma vez a degradação das condições do planeta, revela a incoerência dos representantes dos governos. A portas fechadas, ignorando solenemente a realidade dramática que o próprio relatório revela, costuram um acordo baseados nas conveniências políticas dos seus mandatários.

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